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sábado, 17 de dezembro de 2011
A tragédia do circo - Há exatamente 50 anos
Domingo, 17 de dezembro de 1961, o Fluminense ganhava do São Cristóvão nas Laranjeiras e o Botafogo com Mané Garrincha perdia para o América no Maracanã com gol contra de Zé Maria. Em frente à estação ferroviária General Dutra em Niterói, mais de três mil pessoas, na maioria crianças, lotavam a matinê do maior circo da América Latina. Parte da provinciana sociedade da então capital do Estado do Rio de Janeiro, lá estava na platéia assistindo os melhores artistas circenses e os coitados tigres, leões, ursos, girafas, chipanzés, elefantes indianos e outros quase 150 animais, confinados naquele zoológico nômade.
Na vez dos trapezistas, já no fim do espetáculo, um grito de “fogo” ecoou pelo picadeiro e em apenas poucos minutos a lona de 17 metros de altura transformou-se num imenso céu de fogo, clareando de vermelho a multidão em pânico que se comprimia na saída, justamente o local onde o mastro cairia arrastando o incandescente toldo de algodão parafinado, encobrindo a todos. Antes da queda, uma chuva candente de parafina molhou de dor e sofrimento a multidão que se acotovelava atarantada. O socorro imediato foi dificultado pelas portas fechadas do Hospital Antonio Pedro em greve. Reaberto atendeu a maior parte das vítimas que respiravam o doce odor das pseudomonas nos seus corredores.
Oficialmente perderam a vida 503 pessoas. Acredita-se que a lista é bem maior. Na verdade, nunca se saberá o número exato de queimados, pisoteados e esmagados. Os elefantes apesar de terem amassado alguns com suas quase quatro toneladas, na fuga romperam a lona permitindo a saída dos que escapavam do inferno. Outros saiam pelos fundos ou por debaixo do pano de roda.
Os mortos eram empilhados aos montes na General Dutra e foi necessário anexar uma área vizinha ao cemitério de Maruí para suprir a demanda.
Como o incêndio começou ninguém sabe. O abobalhado e exibicionista Adilson Marcelino Alves, o Dequinha, maconheiro e vendedor de pintinhos coloridos, tinha mania de confissão, e por isso foi responsabilizado e pegou alguns anos de cadeia. Poucos dias após fugir da prisão em 1973 foi assassinado. Ponta de cigarro, faísca das locomotivas da vizinha estação ferroviária e curto-circuito foram outras possibilidades levantadas.
Gina Lollobrigida doou sangue, o Presidente João Gourlat chorou e o Papa João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli) rezou pelas vítimas. Ivo Pitangui mostrou através da tragédia que a cirurgia plástica não era só cosmética e José Datrino, o profeta Gentileza, autor da conservadora frase “Se a saia sobe, a moral desce, se a saia desce, a moral sobe” acampou no local com seu velho caminhão, onde fincou uma cruz preta, plantou flores e cultivou uma horta; e entre frases desconexas e incompreensíveis recolheu os calçados perdidos no desespero coletivo.
O então governador Nilo Peçanha convocou pelo rádio todos os delegados para ajudarem nos donativos. Wilson da Costa Vieira, titular da delegacia policial de Cachoeiras de Macacu com seu velho jipe, recolheu remédios e outros itens necessários.
O Gran Circo Norte Americano desde 2001 se chama “Le Cirque” e seus donos estão às voltas numa batalha jurídica, acusados de maus tratos aos animais a partir de relatórios do IBAMA, IBRAM e da ONG GAP do Distrito Federal.
No “Espetáculo mais triste da terra” lançado no início do mês pela “Companhia das Letras” o escritor Mauro Ventura, jornalista e repórter de “O Globo”, mostra com bastante clareza e realismo os acontecimentos e personagens daquela quente e abafada tarde de Niterói. Vale à pena conferir.
Jornal Cachoeiras 17 12 2011
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