domingo, 28 de maio de 2023

Leisimaniose - Prevenção

Leishmaniose - Prevenção *Dr. Ronaldo Rocha Diferente do Aedes aegypti, o “mosquito palha” não nasce na água parada. O "birigui", como também é conhecido, tem seu criadouro na decomposição orgânica no solo úmido, o que torna inviável o combate focal. As ações de contenção dessa parasitose são direcionadas à prevenção, salvaguardando a saúde humana e animal. A leishmaniose, é uma zoonose reemergente sem cura etiológica; com o tratamento medicamentoso, se obtém melhora clínica e redução da carga parasitária no organismo animal, impossibilitando a sua transmissão ao homem. Os que defendem o extermínio compulsório de cães soropositivos, alegam que as recaídas, após tratamento, não são incomuns; e que a grande inacessibilidade ao oneroso procedimento - hoje em torno de um salário mínimo - deixa vulnerável a saúde pública. A crudelíssima e inumana eutanásia de cães com "calazar", não mostrou eficácia até então. Os animais não são vilões, são também vítimas. As medidas de prevenção, são as mesmas adotadas no combate a dengue: Manter o domicílio e área circunvizinha saneados, investir na consciência sanitária e promover a educação em saúde ambiental. O uso de repelente e coleira anti-mosquito protegem o animal da picada do vetor "flebotomíneo". No futuro, a vacinação pública dos animais vulneráveis - que são depósitos da "Leishmania" no meio urbano - protegerá os homens e seus animais. *Médico veterinário UFRRJ e Jornalista ABJ.

Desvendando o inimigo

Desvendando o inimigo Dr Ronaldo Rocha Os mosquitos estão presentes em todos os cantos do mundo, matando mais gente do que a guerra; são cerca de um milhão de mortes a cada ano. Desde os primórdios, 50 bilhões de humanos sucumbiram às suas picadas. Foram encontrados fósseis de mosquitos nos Estados Unidos, os pré-históricos já picavam o Homo erectus. As cores escuras os atraem, assim como: o calor, o dióxido de carbono que expiramos dos nossos pulmões e o ácido lático presente em nosso suor, até a fragrância de alguns perfumes, pode lhe ser atrativo. Se sabe que esses dráculas em miniatura possuem sessenta tipos diferentes de células nervosas detectoras de odores. Esses pequenos vampiros têm sua atividade plena durante a lua cheia e, no frescor do amanhecer e do entardecer. Precisam apenas de um pouco de água numa tampinha de refrigerante para se reproduzir e, seus ovos podem sobreviver dessecados, por mais de um ano. Através do odor escolhe sua vítima predileta - no caso do Aedes aegypti, transmissor de arboviroses como dengue - o alvo é o homem. O atrativo "decanal" derivado do ácido graxo sapiênico só é encontrado na pele do Homo sapiens que poderá ser utilizado como armadilha, evitando que o inseto rastreie o sangue humano. A saliva da fêmea injetada por sua probóscide, contém um anticoagulante, que provoca alergia em algumas pessoas e, o frenético bater de suas asas tira o sono de muita gente. Esses dípteros têm um papel importante na natureza: alimentam peixes, anfíbios, morcegos e pássaros, além de polinizar as flores ao sugar o seu néctar. Se conseguíssemos obliterar sua conexão olfativa com o odor atrativo de sua vítima, talvez as viroses e parasitoses por eles transmitidas não matassem tanto. * Médico veterinário-UFRRJ/Jornalista-ABJ

sexta-feira, 19 de maio de 2023

Nove vidas até o paraiso

Nove vidas até o paraíso Ronaldo Rocha Numa lenda inglesa, um gato comeu nove peixes da mesa, de uma casa onde havia nove crianças que acabaram morrendo de fome e o gato de tanto comer. Ao tentar entrar no céu foi barrado, precisando morrer nove vezes para conseguir acessar o paraíso. O gato cada vez mais se aproxima da vida humana, numa congruente relação fortalecida por seu silêncio, discrição, independência, adaptabilidade e por melhor tolerar a solidão. Seu crescimento populacional é notável aproximando, e, em certos lugares, superando a dos cães. Sua domesticação não está completa, muitas características ocultas, ainda virão à luz da etologia. Na Europa da Idade Média, com a promulgação das bulas condenatórias, justificadas pela Igreja, devido à suposta relação dos gatos, principalmente os pretos, com magias dos avernos satânicos, foram impiedosamente perseguidos sofrendo uma significativa baixa populacional. Os europeus pagaram caro por isto pois sem a atividade predatória destes animais os ratos ganharam espaço no insalubre meio urbano da época, disseminando a pulga, responsável pela transmissão da Yersinia pestis, bactéria responsável pela negra peste bubônica, pandemia que dizimou grande parte da população daquele continente. Se no cristianismo os gatos foram execrados, no islamismo salvou a vida de Maomé, quando impediu que uma serpente o matasse. Hoopmann, autora de “All Cats Asperger Syndrome”, compara os gatos aos portadores humanos de Asperger, anomalia caracterizada por dificuldades no convívio social, com preservação da parte cognitiva. Síndrome na qual seus portadores têm dificuldades de comunicação, percepção sensorial, sociabilidade e adequação a mudanças. Einstein, Anthony Hopkins, Bill Gates e dizem que também Lionel Messi tem esse transtorno de espectro autista. Os gatos nos toleram porque na fase infantil de sua socialização o homem estava perto. O ponto crítico dessa sociabilidade é entre a segunda e a oitava semana de vida, gatos que durante esse pequeno período não tiveram contato com humanos serão desconfortáveis com a sua presença. São caçadores contumazes que, dependendo da amplitude da predação comprometem o equilíbrio da fauna local, essa tendência pode ser atenuada restringido o contato do filhote, com suas possíveis presas. O gato é um animal interessante, amigo, sagaz, limpo, sensível e dotado de percepções que transcendem nossa dimensão e entendimento. Compreendê-lo e amá-lo também é parte de nossa evolução.

Ignóbil descompaixão

Ignóbil descompaixão Ronaldo Rocha O desrespeito à criação Divina é parte do declínio pelo qual trilha a humanidade. Se o homem desrespeita o próprio semelhante, evidente nesses tempos políticos, o que esperar com relação aos animais. Seu torpe ego agrega uma legião de defeitos, dentre os quais os relacionados à vida animal, que em determinadas situações beiram à raia da insanidade. Que diga o boi, o carneiro, o pássaro, o porco e até o sofrido jegue, que após uma labutada vida serviçal é aposentado como carne seca. O frango até virar galeto passa por maus momentos, o ganso entupido de comida tem seu fígado esteatótico arrancado para o patê do refinado paladar abastado. A indústria da carne é crudelíssima e responsável pelo sofrimento animal. Sufoco também passa a cobaia de laboratório, imolada em prol da saúde; o gato, o rato e o coelho morrem em nome da futilidade cosmética. No pantanal, a onça pintada já não sabe para onde ir fugindo da extinção. Também são vítimas do homem os animais arrancados da mata pelo tráfico e pela abominável caça esportiva. Os cães e os gatos, por viverem no ambiente humano, sofrem diretamente as mazelas por eles provocadas, através do abandono, da clausura e maus tratos. Parte dos animais domésticos, são maltratados, violentados ou mortos em seus próprios lares. A agroindústria tortura até o abate, revertendo a lágrima animal em lucro e é no ocidente onde a insensibilidade é maior. A imoralidade é humana, os animais não violam a moral, se causam dor e sofrimento é dentro da lei natural, pela sobrevivência ou perpetuação. Eles tem consciência que impor sofrimento aos mais fracos, além de amoral, é um ato de covardia. “A assunção de que animais não possuem direitos e a ilusão de que nosso tratamento para com eles não possui significância moral, é um ultrajante exemplo de brutalidade e barbárie. Compaixão universal é a única garantia de moralidade”.

Perto da emoção, longe da razão

Jornal Cachoeiras 29.10.2022 Perto da emoção, longe da razão Ronaldo Rocha Quase doze mil síndromes conhecidas afetam a humanidade e dentre elas, a de Estocolmo. Tudo começou há mais cinquenta anos quando Nils Berjot observou reféns de um assalto em um banco na Suécia estabelecendo laços afetivos com seus algozes, conversando amistosamente, enquanto brincavam com cartas de baralho. A síndrome de Estocolmo ocorre quando a agressão vira afeto, quando a vítima admira seu opressor. Também conhecida como "vinculação afetiva de terror", acontece quando a paixão substitui a lógica, enredada numa fantasia não explicada por quem a vivencia ou tenta justificá-la. É um tanto paradoxal pensar que uma das categorias na qual a população menos confia, embora não seja toda, interfere negativamente nos relevantes assuntos da necessidade social e mesmo assim são emocionalmente veneradas. É de bom alvitre exigir políticas públicas de qualidade, que atenda aos anseios sociais, sem sofrer intimidação ou imposição por parte do poder. Geralmente o populismo é prenúncio de totalitarismo. Idolatrar político não compromissado com o bem coletivo é presságio de alienação em massa. A cura da síndrome de Estocolmo, que hoje nos assola na esfera política, só ocorrerá quando abdicarmos do arraigado analfabetismo politico-social em que estamos mergulhados e com o despertar lúcido das nossas consciências. Admirem, mas não idolatrem; defendam, mas não matem ou morram por ídolos dissimulados.

Brasil e brasil

Brasil e brasil Ronaldo Rocha De Jeremoabo a Canudos no sertão baiano, são quase cem quilômetros de estrada rasgando um inóspito caminho de areia entre pedras e carrascais. Depois de cinco horas em duas rodas, sob um sol escaldante e entre facheiros, coroas-de-frade xique-xiques e mandacarus, chego ao arraial dantes habitado pelo magérrimo beato Antônio Conselheiro e seus desvalidos. Seus habitantes sobreviviam da roça e de rebanhos coletivos, principalmente dos subprodutos das cabras, que além de matar a fome lhes vestiam e calçavam. Em um hotel na nova Canudos, descansado da extenuante viagem pelo solo cascalhoso da caatinga, encarei um apetitoso ensopado de macaxeira e carne de bode, o que me fez lembrar da amiga poetisa soteropolitana Lourdinha Araújo em nossas andanças pelo sertão nordestino no saudoso Fiat 147. Após três derrotas dos militares, inclusive a do "corta cabeças" coronel Moreira César, o arraial foi trucidado, culminando com a morte de mais de vinte e cinco mil caatingueiros fugidos dos coronéis dos latifúndios improdutivos e do esquecimento da igreja. Apoiado num cajado e envolto em uma esfarrapada túnica azul, o rábula messiânico interpretava a Bíblia de sua maneira, não obedecendo nem bispos, nem padres e nem freiras. Em Canudos, onde o exército republicano entrou pelo cano, senti o texto de "Os Sertões" de Euclides da Cunha lampejar a minha mente, afligir meu coração e aguçar as viagens da minha imaginação. O nome Canudos foi alcunhado pelo inimigo, devido a presença de uma espécie de bambú com formato de canudo, comum na região. Originalmente a morada daquele povo sofrido era conhecida como Belo Monte, próxima ao raso da Catarina, localidade encrustada no ardente coração da caatinga, outrora refúgio de Maria Bonita e o rei do cangaço Lampião, e também abrigo da "ararinha azul de lear", psitacídeo hoje na rota da extinção. Calafrio na memória senti no "Vale da Morte", onde entricherado o general Arthur Oscar, munido de canhões de codinome "matadeira", aniquilaram aqueles pobres fanáticos sertanejos. Cartuchos corroídos pelo tempo, ainda são encontrados na aridez do solo esturricado pelo calor. Quando a estiagem assola o sertão, da velha Canudos submersa pelas águas do Vaza-Barris, emerge a torre da igreja que teima em ficar, como se não quisesse que sua história fosse afogada. Há quem diga que o represamento do rio foi para dissimular aquela chacina. Com o término da guerra, os soldados esquecidos e sem o soldo prometido, foram morar no morro da Providência, que viria a ser a primeira favela brasileira, situada na região portuária do Rio de Janeiro. Favela é uma planta urticante comum nos morros de Canudos. Daí a origem do nome, trazidos pelos ex-combatentes às esquecidas comunidades fluminenses.

Por fora bela viola, por dentro pão bolotent

Por fora bela viola; por dentropão bolorento (Jornal Cachoeiras 19.11.2022) Ronaldo Rocha Vivemos em uma perigosa dependência aos insumos agrícolas, até bem pouco tempo se utilizou os cancerígenos e teratogênicos organoclorados, que após pressão popular finalmente teve a sua utilização proibida na agricultura. Hoje os fosforados orgânicos e os piretróides, não tão menos perigosos, dominam o mercado e o herbicida glifosato, Roundup, o mais popular no Brasil, está com os dias contados em muitos países por seu envolvimento em muitos tumores, diabetes, microcefalia e até alzheimer. Menos da metade dos produtores rurais calculam a quantidade segura do veneno a ser aplicado em suas plantações e bem menos se baseiam em cálculos agronômicos. A fiscalização no campo é mais voltada a comercialização de seus produtos, sendo parca a vigilância e a devida orientação na correta utilização desses defensivos. Os produtos voltados a exportação, por exigência do importador, tem rastreabilidade; o problema é com o consumo interno. Os riscos, não se limitam somente ao trabalhador rural e aos consumidores, suas deletérias formulações alcançam o solo e em locais de alta precipitação pluviométrica são varridos aos cursos d'água e lençóis freáticos. O Brasil é um dos países que mais utilizam agrotóxicos em suas lavouras, gastamos anualmente quase quatro bilhões de dólares na sua aquisição, de países que nem os utilizam. Por não serem naturais e de difícil degradação, acumulam-se nos ecossistemas terrestres e aquáticos contaminando-os. Sua inadequada utilização geram cada vez mais pragas resistentes o que leva a mais formulações, que ironicamente são conhecidos como remédios. A lavagem de frutas e hortaliças, além da importância sanitária , diminui os resíduos químicos neles impregnados. Os naturais produtos orgânicos vêm ganhando espaço junto ao consumidor, pena que, pelo seu preço, não estão ao alcance da maioria da população. Cuidado com aqueles legumes, frutas e hortaliças grandes e bonitas, podem albergar particulas desses venenos. Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.

Fantasmas de Macacu

Fantasmas de Macacu (Jornal Cachoeiras 26.11.2022) Ronaldo Rocha No trecho férreo do Rasgo ao Valério, algo arrepiante poderia ser visto nas madrugadas lúgubres de outrora, deixando eriçados os fâneros dos mortais. Sob uma aclarada lua, um funesto cortejo entoava lamuriosos cânticos no ritmo de um branco ataúde. Nas noites escuras do Boqueirão, vez ou outra, galopava em direção ao antigo campo do São José, onde é hoje a igreja matriz, uma "mula sem cabeça", emergida das entranhas sombrias de um grande bambuzal ali existente, causando "espectrofobia" aos que não tapasse os olhos. Dizem que uma mulher, por ter se entregado a um padre, além de perder o juízo, se transformou numa mula sem cabeça. Muitos cavaleiros da Boa Vista viram um "pequeno moleque" que apeado em suas garupas botava seus cavalos pra galopar. Saindo das tumbas de um pequeno cemitério junto a igrejinha da praça de baixo, onde Tenório Cavalcante com sua inseparável "lourdinha" discursou, o "capa preta" sentava no saudoso coreto, pressentido a sua demolição. No tempo da miúda energia elétrica da Usina, sincronizadas "tochas fumegantes" bailavam nos morros da cidade, deixando muitos moradores apreensivos. Uma delas, vista próximo ao caminho do reservatório, no Campo do Prado, inspirou um sambista que escreveu "que era xangô sinalizando pra oxum, que o vento que ventava entre eles, atrapalhando o namoro, era iansã". Causava pavor, no corpo docente e discente do Quintino Bocaiúva, a pálida loira com o nariz sangrante, que trajando branco, andava por seus banheiros e corredores. Em uma casa abandonada no alto do Tuim o sinistro "mão pelada", que ao vampirizar suas vítimas, curava a lepra e o reumatismo, esperava o escurecer pra sua sanguinolenta andança . O aparecimento de um casal de "noivos decapitados" que vivia aos beijos no Ganguri é um pouco duvidoso, pela inexistência das bocas sedentas no seu colóquio amoroso. Cachoeiras teve seu tempo de "licantropia" quando homens anêmicos se transformavam em "lobisomens" com seus uivos apavorantes. Alguns acreditam que, esses avistamentos, ocorrem quando a Terra sofre uma repentina queda no espaço, outros acham que são espíritos errantes procurando se materializar ou, que distúrbios elétricos cerebrais nos conectem a outras realidades dimensionais. Seja o que for, real ou ilusório, essas sensações fantasmagóricas visitam nosso imaginário, adentrando as entranhas dos nossos assombrosos pensamentos.

A cortante que mata

A cortante que mata Ronaldo Rocha Na China uma pipa alcançou o céu pela primeira vez bem antes do nascimento de Cristo. No Brasil é chamada de cafifa, pandorga, morcego, chambeta, papagaio, arraia e pepeta dependendo do formato e do lugar onde é empinada. Esse artefato voador, nos primórdios da meteorologia, tivera importância na pesquisa das descargas atmosféricas e nos conflitos bélicos servia foi utilizado para jogar panfletos no front inimigo. No século XVIII em um dia de tempestade Benjamin Franklin amarrou uma chave em numa linha metálica de uma pipa de pano, descobrindo o para-raio. Empinar pipa é divertido, relaxante e não tem idade; crianças, adultos e até mulheres erguem suas "chambetas" em todos os lugares. Camuflado nesse ingênuo passatempo se esconde uma arma letal, o "cerol", feito em sua maioria de lâmpada florescente moída com cola de madeira, e as de pó de ferro e micro fios de cobre. Em Cachoeiras de Macacu os pipeiros trituravam vidro colocando-o dentro de uma lata amassada no trilho do trem. A "chilena" contém óxido de alumínio que corta até antena de carro, rasga quatro vezes mais que a preparada com pó de vidro. A linha cortante feita com metal conduz eletricidade, eletrocultando pipeiros, quando tocam com suas linhas molhadas ou metalizadas os fios da rede elétrica. As "cafifas" podem ser turbinadas com giletes presas à rabiola, tornado-a uma máquina de guerra. Motoqueiros são as principais vítimas da degola geralmente fatal; quando tem a jugular decepada. Algumas vítimas na tentativa de se proteger tem seus dedos decepados. Em tempos de férias escolares, os pipeiros dão linha às suas 'pandorgas" coincidindo com ao aumento da circulação de motos e bicicletas. O protetor jugular no pescoço e a antena anti-cerol nas motos evitam esses acidentes. Soltar cafifa é bom demais, mas que seja sem cortante.

O lento expresso e o rápido jaú

O lempo expresso e rápido jaú Ronaldo Rocha O trem foi parte da “belle époque” de Cachoeiras de Macacu por quase um século. Entre partidas, chegadas, apitos e fumaças a cidade assistia Boris Karloff e John Wayne nas telas do Virgínia e cine Brasil, seus alunos se formavam nas escolas federais Liceu e Senai, os não tão jovens ouviam no coreto da praça, harmoniosas sinfonias maestradas por Valdemar Navega e a juventude de cabelos longos, calçando bota beatles e vestindo calça boca de sino letravam nos festivais da canção. Cheirando a lança perfume, o luxo e a singeleza de seus carnavais enebriavam os salões e na rua caçadores cavalheiros piratas encontravam a multidão. No campo, São José, Onze Unidos, Ipê , Independente e Olaria completavam o “status quo” do tempo que de trem andou. A chaminé não mais fumaçou, o apito não mais apitou e o Jaú nunca mais voltou, deixando órfã a cidade, que por quase um século o abrigou. Com o trem foi a memória ferroviária que na bitola estreita da vida descarrilhou. A oficina acabou e Cachoeiras na chegada da partida nem com um museu ficou, só olhou a maria fumaça que na curva precipitada do progresso tombou. Entre neblinas, umbaúbas e quaresmeiras transportando café, flores, passageiros ilustres e outros nem tanto assim, as valentes locomotivas caíram no abismo do fim. Nos quase cem anos que operou, desde o “sistema fell,” trazido pelos ingleses dos Alpes franceses até as máquinas da americana North British, a Estrada de Ferro Leopoldina fez parte dos áureos tempos do Jaú. No úmido leito de cremalheira, alguns percalços envolveu o sistema de frenagem especial. O que mais chamou atenção foi o tombamento de uma composição, conduzida pelo maquinista Manoel. Numa fria sexta feira de junho de 1952, o trem com problemas mecânicos serra abaixo despencou entre Posto Pena e Registro, vitimando dezenas de pessoas, entre passageiros e tripulação. Waldir, o que guardava os freios, de tudo fez pra contornar a situação, enquanto o último vagão, perfumado por rosas, cravos e crisântemos tombava a caminho da estação. Uma das vítimas fatais, o guarda freios Waldir foi esmagado após o engavetamento, resultante da brusca brecada da locomotiva. Os primeiros que chegaram no local do acidente foram, o prefeito Nilo Torres, o delegado de polícia Ibrahim Barroso e os médicos Mário Simão Assaf e José Gomes Castro prestando os primeiros socorros e removendo os feridos para a Casa de Caridade de Cachoeiras de Macacu, hoje Hospital Municipal Dr. Celso Martins.

A "Belle époque" de Macacu

A “belle époque” de Macacu Ronaldo Rocha No caminho de ferro da serra do paraíso das cristalinas águas, o trem apitou agudos apitos, até o apito que acabou. A cidade viu Boris Karloff, John Wayne e cinema mudo nas telas do Virgínia e do cine Brasil, além de garbosos desfiles, do Liceu e Senai, encantando quem assistiu. No coreto da praça a harmoniosa sinfonia maestrada por Waldemar Navega, inebriava seletos espectadores e no palco cabeludos de calça “boca sino” e bota “The Beatles” cantavam suas músicas no festival da canção. No salão, o lança perfume, perfumava os bailes e singelas matinês; na avenida, o bloco do boi, piratas e Elesbão, deixavam em êxtase a serpentinada multidão. Com o chute avassalador de Alceu e o gingado desconcertante de Banana Ouro, o futebol do São José atemorizava o Onze Unidos, Independente, Ipê e Cachoeirense. Felizes tardes futebolísticas da época que o “expresso” devagar andou, o “rápido” como sempre atrasou e o lento “jaú” partiu e ninguém mais viu. Junto com a estação a oficina não mais voltou e nem um pequeno museu no seu lugar deixou. A Maria sem fumaça com a chegada do capital tombou. Sem neblinas, umbaúbas e quaresmeiras e sem os passageiros ilustres e ou outros nem tanto assim, as sólidas locomotivas sucumbiram nos pátios do caminho do fim. Numa neblinosa e fria tarde de junho de 1952, deslizando sobre o boleto úmido do trilho perto de Posto Pena, a composição conduzida por Manoel Lopes descarrilhou; o carro de passageiro e o vagão lotado de flores serra abaixo despencou. Waldir, o que guardava o freio, de tudo fez pra contornar a situação, mas o vagão perfumado por rosas, quaresmas e crisântemos virou a caminho da estação. No local do acidente, o prefeito Nilo Torres, o delegado de polícia Ibrahim Barroso, os médicos Mário Assaf e José Castro logo chegaram, e os feridos para a Casa de Caridade de Cachoeiras de Macacu foram levados. Desde o trem que veio dos Alpes franceses de navio, até o desmanche da robusta americana “baldwin”, o trem apitou feliz na belle époque de Macacu.

Vem chegando o verão

Vem chegando o verão Ronaldo Rocha Banho de rio de montão, loira gelada no litrão e fogoso amor no coração. Seria uma calorosa estação se o pernicioso Aedes aegypti, não aparecesse na contramão. Uma única fêmea pode produzir centenas de mosquitinhos na sua ovoposição. É só ter água acumulada no lixo do quintal ou uma cisterna sem tampa a disposição. Durante o frenesi da reprodução, atraídos pelo dióxido da transpiração, o mosquito finca seus 47 dentes em nosso corpo, sorvendo o sangue que o ajudará na eclosão. Quase a totalidade dos focos do mosquito da dengue e febre amarela, são formados em condições artificiais, aquelas que produzirmos por maus hábitos, desmazelo sanitário e por falta de atenção. A eficácia no combate a esses vetores de doenças, se dá através do envolvimento da população nas atividades de controle, tendo na vanguarda a educação em saúde e a consciência ambiental. Estar vigilante com relação a qualquer condição propícia à formação de focos do egípcio mosquito, desde uma descartada tampinha de refrigerante até o desleixo no trato com a piscina, é nossa obrigação. Até a futura erradicação, só nos resta reduzir a níveis seguros sua população. Sem água parada não tem mosquito, sem mosquito não tem vírus e sem vírus não tem dengue, zyca e chicungunha no verão. Seja consciente, colabore com o agente de endemias em sua ação, abrace-o nessa importante missão.

O trágico fim de um espetáculo

O trágico fim de um espetáculo Ronaldo Rocha Perto do Natal de 1961 o time do Botafogo, campeão por antecipação perdia, com Mané Garrincha, a invencibilidade do campeonato carioca para o América no Maracanã. Em Niterói mais de três mil pessoas, a maioria crianças, assistem o espetáculo inaugural do "Gran Circus Norte Americano". No momento da apresentação dos trapezistas, um grito de "fogo" ecoa do picadeiro; aglomerando as pessoas em pânico na única saída existente, quando um parafinado toldo em chamas cai encobrindo-as. Apavorados os elefantes pisoteiam umas; mas salvam outras ao romper a lona permitindo a fuga. Com meu saudoso pai Taciano, desembarquei na estação de General Dultra onde presenciei enfileirados corpos carbonizados, depois levados para um anexo que o palhaço Carequinha ajudou a construir no cemitério de Maruí. Como tudo começou, é uma incógnita. Dequinha, um maconheiro viciado em confissões que ganhava a vida vendendo pintinhos coloridos no terminal das barcas foi detido e responsabilizado; morreu ao fugir da cadeia em 1973. Seu comparsa Bigode, o que jogou álcool na lona para ele riscar o fósforo, ficou dez anos comendo de graça na prisão. Sobre a origem do incêndio foram levantadas outras possibilidades: ponta de cigarro, faísca do trem e curto circuito A atriz Gina Lollobrigida doou sangue, o presidente Jango chorou e o Papa João XXIII pelas vítimas rezou. Em greve o hospital Antônio Pedro pouco socorreu e o recém formado Pitangui mostrou que a cirurgia plástica não era só cosmética. O Gentileza José Datrino, o que profetizou que “o cigarro é a chaminé do capeta’, num momento epifânico acampa no local da fatalidade e entre frases desconexas, planta flores sobre as cinzas e amontoa os calçados perdidos na tragédia. Wilson Vieira, delegado de polícia de Cachoeiras de Macacu, com seu Jipe numa atitude solidária angaria remédios e outros itens necessários. Quarenta anos depois o "Gran Circus" mudou para “Lê Cirque”. Seus proprietários responderam por maus tratos aos animais. Foi a maior tragédia circense do Brasil, onde perdi dois familiares, que hoje teriam a minha idade.

Na rota do cangaço

Na rota do cangaço Ronaldo Rocha Há quatro anos em duas rodas me aventurei e sem destino cinco milhas eu andei. Em Canudos de Antônio Conselheiro, Angicos de Virgulino Lampião, Francês das Alagoas e Piranhas no sertão. No esturricado Alagadiço Zé baiano eu não vi, em Vargem Grande do Cabeço um assalto quase sofri e em Jeremoabo carne de bode no pirão de leite comi. Na prainha de Canindé que Domingos afogou, na Croa de Sergipe o Goré me atacou e no Velho Chico o Gaiola não mais singrou. Em Caraíva de Trancoso o luar não apagou e na Pedra Furada da Restinga de Maraú a morena me encantou. Sob o sol da caatinga na sombra da Braúna me abriguei, no espinho do Facheiro me espetei, em Angicos com a Coroa de Frade me deparei e com o suco da Mangaba minha sede eu matei. Em Itamarajú da Bahia parte minha ficou, mas a outra me acompanhou, aqui a viagem acabou mas a estrada da vida não me parou. (Com Marcelo Poubel e Rosemary Rocha em dezembro de 2018)

A dor animal

A dor animal Ronaldo Rocha Se no homem a dor pode ter relação com culpas e resgates, o que dizer nos inculpados animais que dela também padecem. A dor é um instinto de preservação, a insensibilidade no corpo físico seria incompatível com a vida. Segundo Platão, dói quando a harmonia dos elementos que compõem o ser vivo é comprometida e, vivendo em equilíbrio com a natureza, o homem dela se desvencilha. Epícuro, profetizou a dor como conseqüência da busca do prazer vulgar e desmesurado. Cristo, pregou a não concepção de dor-punição ao bem aventurar os aflitos, assinalando que o sofrimento seria uma oportunidade de purificação da alma. Para Hipócrates, sedar a dor era obra divina - “Sedare Dolorem Opus. Por ter o homem consciência definida, a excitação psíquica decorrente da dor auxilia no despertar do princípio inteligente, uma reação aos abusos do livre arbítrio, e nele, a que mais dói é a dor moral. A algia já foi relacionada à maldade, às trevas, aos demônios e à magia, era amenizada por sacerdotes, shamans e feiticeiros, que a considerava um inimigo que deveria ser execrado com expiações, rituais e até sacrifícios Por não verbalizar, fica difícil o entendimento desse sofrimento nos animais; sua detecção depende mais de mudanças comportamentais do que de sinais específicos; evidenciadas pela depressão, gemido, inapetência , automutilação, imobilidade, agressividade, tremores e taquicardia. Sua debelação além de uma questão ética, tem a ver com sentimentos humanitários. Hoje a terapêutica antiálgica dispõe de procedimentos que proporcionam bem estar aos animais vitimados pela dor.

Não abandone seu animal

Não abandone seu animal Ronaldo Rocha É um retrocesso sob a ótica evolutiva o que acontece com relação ao aumento do número de animais abandonados. Embora poucos, os que conseguem perceber a extensão do problema tem-se organizado na busca de condutas e ações que promovam saídas humanas e resolutas para o problema. A presença de cães combalidos e famintos nas ruas das cidades é uma questão humanitária, ambiental e de saúde pública. Sabemos que algumas zoonoses como a leishmaniose e a raiva podem ser transmitida por estes animais. Ações isoladas atenuam de certa forma as mazelas impostas; porém medidas voltadas a conscientização e posse responsável têm de ser priorizadas, elas operam na gênese do distúrbio. O desenvolvimento humano é diretamente proporcional ao amor e ao respeito à vida animal, aqueles que desconhecem tal premissa, cairão na roda involutiva dos infernos dantescos. É triste ver um cão esperando que uma alma piedosa passante não o ignore. Animais doentes vagando em áreas urbanas desarmonizam com o despertar da consciência. Um dia o homem conhecerá o íntimo dos animais, e nesse dia, um crime contra um animal será considerado um crime contra a própria humanidade. Abandonar, não alimentar, espancar, envenenar, manter acorrentado, mutilar e ferir os animais é considerado maus tratos e ficam os infratores sujeitos a penalidades conforme o artigo 32 da Lei Federal 95.605/98.

Deixe o pássaro volitar

Deixe o pássaro volitar (Jornal Cachoeiras 22.01.2023) Ronaldo Rocha Desrespeitar ou agredir de qualquer forma o meio ambiente, e principalmente ergastular em exíguas gaiolas os que volitam no firmamento, é parte da maldade e ignorância humana, tendo relação direta com a samsara e a involução. Os pássaros tem uma importância vital na vida da floresta, sem eles muitas espécies vegetais não existiriam. São importantes polinizadores e dispersores, a diminuição de suas populações, seja pela clausura ou outras atitudes inconsequentes, além de mostrar a insanidade de seus algozes, comprometem a estrutura dos ecossistemas, inclusive nas matas preservadas. É uma insensatez aprisionar os seres alados que habitam os céus. Ouvir seu canto e apreciar seu encanto é possível, sem ter que encarcerá-lo em uma nefasta gaiola. A introdução de animais exóticos, o crescimento das lavouras transgênicas, a utilização desenfreada dos agrotóxicos, as queimadas e os desmatamentos também afetam a vida dos pássaros. Algumas espécies de pássaros estão na rota da extinção. O tietê-coroa foi banido da vida da floresta e o sabiá-pimenta, o bicudo e o chanchão voam na contra mão.

Educação e saúde

Educação e Saúde Dr. Ronaldo Rocha As enfermidades de caráter zoonótico, aquelas comuns a homens e animais, emergem e reemergem no meio urbano quando da presença de seus vetores ou propagadores, por falha no dimensionamento da prevalência ou por descuido nas atividades de combate e vigilância. A inconsequente interferência nos biomas terrestres facilita a migração dessas entidades mórbidas, causadoras de doenças no homem e nas espécies domesticadas; os vírus, as bactérias e outros patógenos, que dos animais silvestres chegam ao organismo humano, à fauna urbana e vice- versa. Vulneráveis sempre estaremos com relação às endemias, epidemias e pandemias se nossa relação com a natureza não for repensada. A Covid nos mostrou sobre o que está por vir, se a tênue fronteira, urbana silvestre, não for repensada, respeitada e preservada. O deflorestamento, a irresponsável fragmentação e contaminação do solo como acontece com a gananciosa garimpagem, e o desorganizado processo de urbanização, facilitam a proliferação de mosquitos, ratos e outros sinantrópicos; responsáveis por morbidades e letalidades no âmbito da Saúde Pública e de instabilidade no seu Sistema. A Educação em Saúde e Ambiental, voltadas principalmente à geração escolar, será a grande virada para o vital equilíbrio do homem com o seu meio. * * Médico Veterinário com formação em: Gerenciamento em Zoonoses, Perícia Judicial, Jornalismo e TFT (Thought Field Therapy).

Até quarta feira

Até quarta-feira ... Dr. Ronaldo Rocha A cinzenta quarta-feira, diferente das demais, acordou melancólica, sem o desenrolar de confetes e o brilhar das serpentinas, com as ruas vazias onde o bloco passou, sem o cintilar da fantasia do amor de um encontro fugaz, que a cinza levou. Pela avenida, antes transbordada de alegria, se vê gente que não canta mais, as inebriantes melodias de um canto de paz. A falsa alegoria dá lugar à real fantasia, à esperança não ritmada e ao desafinado enredo sem final. Foram três dias de folia, de ilusão e euforia, que amanheceu com fragmentos de sonhos na calçada. Era carnaval. No silêncio, o mestre-sala desacompanhado, a colombina descolorida, a lágrima do pierrô despedaçada, e o rei momo sem trono, sem coroa, e sem mais nada. Os foliões, em outros carnavais desfilarão e, com outras máscaras suas fantasias cobrirão. Que novamente desmancharão nas cinzentas quartas-feiras que virão. * Médico Veterinário UFRRJ / Jornalista ABJ / Perito Judicial CLRJ / Gerente Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS / Thought Field Therapy I. CALANGES TFT.

O perigo nas chuvas

O perigo nas chuvas Dr Ronaldo Rocha Os ratos albergam perigosos microrganismos, que provocam graves enfermidades no homem e animais. Em tempos de chuvas intensas, alagamentos e enchentes as bactérias da leptospirose emergem das tocas, bueiros e esgotos aumentando a incidência desta zoonose, tornando a água e a lama um veículo importante na sua transmissão. De alta letalidade provoca no organismo de suas vítimas importantes lesões, hemorragia e icterícia que dá a pele e mucosas uma intensa tonalidade alaranjada. Também conhecida como febre dos pântanos, febre dos arrozais, e tifo canino; sendo hoje termos inadequados e em desuso. Os animais sinantrópicos, selvagens e domésticos são seus hospedeiros essenciais e o homem seu hospedeiro acidental e terminal, dentro da cadeia de transmissão. Os principais reservatórios das leptospiroses são: o rato do esgoto ou ratazana, o rato do telhado ou rato preto e com menor relevância o camundongo. A ratazana, "Rattus norvegicos", carreia a Icterohemorragiae, a mais patogênica dentre as Leptospiras. O homem se contamina pelo contato com a urina dos animais infectados, vale lembrar que cães, porcos equinos, bovinos, ovinos e caprinos também albergam essa bactéria. A penetração do germe ocorre através das mucosas e da pele lesionada ou imersa por longo período na água contaminada. Em Aracaju, presenciei um óbito de um homem que contraiu a doença ao beber refrigerante direto na boca da garrafa. A prevenção é voltada a antirratização, que são medidas ambientais voltadas a inibir a proliferação; e a desratização com a eliminação direta dos ratos por meios mecânicos, usando ratoeiras, e raticidas. A contaminação pela ingestão de água ou alimentos raramente ocorre, pois a bactéria não sobrevive na acidez do trato digestivo. No Brasil não há vacina para uso humano. A vacina utilizada em animais visa a saúde do animal e não a saúde pública; fornecendo-lhes proteção contra a doença, mas não contra a infecção. Mesmo assintomático podem apresentar leptospirúria, que é a eliminação do patógeno pela urina. Médico Veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ / Gerente de Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS / Perito Judicial CBETA-RJ / Thought Field Therapy INSTITUTO CALANGES-SP

Velhos escorpiões

Velhos escorpiões (Jornal Cachoeiras 04.03.2023) Dr Ronaldo Rocha Vi pela primeira vez, esses artrópodes, quando assisti aos dez anos de idade no Cinema Brasil, a película espanhola “Marcelino pão e vinho". Os escorpiões habitam a Terra bem antes da humanidade, viram o surgimento do dinossauro e presenciaram a sua extinção. Habitam desde as úmidas florestas, até os desertos mais áridos, só não na Antártica. Geralmente, são encontrados em cemitérios, terrenos baldios, entulhos e no lixo. No verão, os acidentes com esses aracnídeos são mais evidentes. As asquerosas baratas são seu prato predileto. Dizem que cometem suicídio quando em apuros, principalmente quando cercados por fogo, o que não é verdade. Podem ficar sem comer por até um ano, embaixo d'água por dois dias e sobreviverem. Possuem uma picada bastante dolorosa; das espécies brasileiras, as mais peçonhentas são as amarelas: Tityus serrulatus e Tityus stigmurus, com seus venenos neurotóxicos; o "serrulatus" se reproduz por partenogênese, não necessitando do macho para a fecundação. No Livro do Apocalipse, há uma citação a eles relacionada: - “A agonia que eles sofreram era como a picada do escorpião. Naqueles dias, os homens procurarão a morte, mas não a encontrarão; a morte fugirá deles". Em caso de acidente com esses escorpionídeos, nunca use torniquete, pó de café, cachaça ou querosene e não queime ou corte o local afetado. Limpe-o com água e sabão e procure atendimento médico; levando se possível e com cuidado, o escorpião, para identificação. Médico Veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ / Gerente de Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS / Perito Judicial CBETA-RJ / Thought Field Therapy INSTITUTO CALANGES-SP

Nossos campos de concentração

Nossos "campos de concentração" Dr Ronaldo Rocha No primórdio do século passado, uma grande seca assolou o Nordeste. Milhares de flagelados, castigados por um sol escaldante, vagaram em direção à alguma cidade ferroviária na esperança de pegar um trem rumo a capital do Ceará, quando foi suspensa a venda de passagens, evitando que chegassem ao seu destino. Por quilômetros a fio, homens, mulheres e crianças, marcharam sobre os cascalhos da inóspita caatinga. Entre xique-xiques, catingueiras e mandacarus, um cordão de sofrimento, a fugir da epidemia da fome e da morte, singrava o sertão sob o canto do acauã e a lamúria do caboré. Foram sete campos de concentração construídos no Ceará, sendo o primeiro o de Alagadiço na capital; tempos depois no interior, outros foram criados: Quixeramobim, Crato, Ipu, Senador Pompeu e Cariús. Os desafortunados que lá chegavam, sempre vigiados, não mais podiam sair. Forçados a um trabalho árduo, construindo estradas e açudes, recebiam em troca café torrado no sangue de boi, um punhado de farinha, um pedaço de rapadura e, vez ou outra, uma bolacha ou um naco de jabá. Eram vestidos com sacos de farinha, seus cabelos eram raspados e viviam submetidos a condições insalubres. O isolamento da indesejada massa de retirantes, foi acirrado pelos governos federal e estadual. Dados oficiais estimam que perto de 80 mil pessoas passaram por esses campos. Embora não fossem propriamente de extermínio (como os campos alemães), tinham o objetivo de isolar os desvalidos, que tentavam fugir daquela terrível estiagem. A multidão socialmente alijada, chegou na cidade no momento em que a elite de intelectuais e empresários cearenses colhiam os frutos do "boom" da exportação de algodão. A morte era rotineira: de enfermidade, sede e fome. Foram tão marginalizados que até seus cadáveres eram sepultados em um cemitério à parte, longe dos demais mortais. Como em Canudos de Antônio Conselheiro, o sofrido sertanejo foi mais uma vez vítima da configuração social de um país preconceituoso, excludente e desigual. Médico Veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ / Gerente de Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS / Perito Judicial CBETA-RJ / Thought Field Therapy INSTITUTO CALANGES-SP

O melhor amigo

O melhor amigo Dr Ronaldo Rocha Quando se sentir vazio, inseguro, desmotivado e com dificuldade pra dormir, pode ser falta de um verdadeiro amigo, descompromissado, companheiro e fiel. Aquele que suavize suas ansiedades e seus medos, fortalecendo a autoestima, aliviando a depressão e lhe proporcionando uma melhor sintonia na sua relação com o mundo que lhe rodeia. A companhia de um cão, gato, ou outro pet, pode reverter as mazelas somatizadas no seu corpo resultado do emocional em desalinho. Uma sadia relação com nossos irmãos de "reino" estimula a produção dos neurotransmissores: serotonina e dopamina, hormônios relacionados ao bem estar e à estabilidade do humor, reduzindo o stress e equilibrando outras desordens. Nas crianças, o convívio com os animais de estimação, é um coadjuvante na formação da personalidade, no desenvolvimento social, na expressão da afetividade, na relação com o meio ambiente e na lida com as regras da convivência. Na terceira idade, essa proximidade supre a lacuna do isolamento, da solidão, da necessidade de afeto, e mitiga a sensação de abandono e inutilidade. Adote um animal, verá que sua vida não será a mesma. "Mens sana in corpore sano". Médico Veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ

O maldito mosquito

O maldito mosquito Dr Ronaldo Rocha No século retrasado, de carona nos porões dos navios negreiros, o mosquito desembarca em solo brasileiro. Tempo em que os primeiros surtos de dengue e febre amarela aconteceram no Paraná e Rio de Janeiro. Em 1955 o Brasil consegue se libertar do Aedes aegypti (que em latim significa: o maldito do Egito), resultado de uma forte campanha alicerçada pela Divisão de Saúde Internacional da Fundação Rockefeller. Por iniciativa de sanitaristas brasileiros, foi lançada uma campanha continental para erradicar o vetor quando, além do Brasil, outras nove nações ficaram livres de suas picadas, corroborada pela OPAS - Organização Pan-americana de Saúde. Contudo a campanha não foi bem sucedida em todo Continente, tanto que, em 1967 o pernilongo-rajado vindo das Guianas aterrissou no Pará, ou dentro de uma embarcação atracou na zona portuária de Belém. Hoje sua fêmea faz seu repasto sanguíneo do Oiapoque ao Chuí. Após a erradicação, o governo brasileiro esmoreceu as ações de controle com a redução drástica do pessoal mata-mosquitos. O Caribe e a América Central tiveram problemas quando o mosquito sanguinário ficou resistente ao inseticida organoclorado DDT, hoje em desuso devido sua alta toxicidade, mas muito utilizado na época. Mesmo libertos do inseto, a reinfestaçao não pode ser descartada, pois temos uma vasta extensão fronteiriça com países que com ele convive.. Resultados absolutos, só com o envolvimento de todas as nações vítimas das Arboviroses pelo Aedes transmitidas. Há registros de dengue em todos os países das Américas (só não no Canadá), Oceania e Ásia. Os Estados Unidos ainda não conseguiram dele se libertar. Sendo a expulsão do mosquito, a curto e a médio prazo quase utópica, só nos resta conter sua densidade populacional, o que requer um contínuo trabalho educacional e participação consciente de toda sociedade nas atividades de combate. Sem água parada não tem mosquito e sem mosquito não tem dengue, zica e nem chikungunya. .

O bioma esquecido

O bioma esquecido Dr Ronaldo Rocha A Caatinga abrange o Nordeste e, um pedacinho do Sudeste no norte de Minas. É o semiárido mais biodiverso da Terra, possui um endemismo que pouco se conhece e uma origem até agora desconhecida. Os cactos que permeiam aquela aridez pedregosa, vieram dos Andes, trazidos por aves dispersoras. Inúmeras espécies, vegetais e animais, são endêmicas, não encontradas em nenhum outro lugar. De exuberante biodiversidade, o semiárido nordestino não parece um bioma, mas um agregado deles. A falta d'água faz seu verde esbranquiçar, daí o nome dado pelos índios tupi-guaranis: Caa (branca) e tinga (mata). É nos penhascos da Toca Velha, onde mora a quase extinta, hoje preservada, "ararinha-azul de lear". Volitando no céu do Raso da Catarina, onde estive quando em visita a Antônio Conselheiro no Parque Estadual de Canudos, semiárido baiano. São seus habitantes: o gato maracajá, o mocó, a asa branca e o carcará, entre as macambiras, mandacarus, xique-xiques, coroas de frade e umbuzeiros. Sempre esquecida, a Caatinga é castigada a cada quatro décadas por uma terrível estiagem e constantemente pela leviandade humana. O que a "mata branca" mais teme é ser desertificada, perder o canto do acauã e ser transformada num averno de areia. A cabroeira do sinistro Lampião, os "currais do governo" do Ceará e o beato Antônio e seus conselheiristas, foram protagonistas de tempos sanguinários que avermelharam o árido solo do sertão nordestino..

A maior epidemia

A maiorepidemia • Dr Ronaldo Rocha Doenças endêmicas são aquelas de incidência constante em um determinado local, como a malária e a febre amarela na região amazônica; as epidêmicas são mais abrangentes, envolvem áreas mais populosas, a dengue é um exemplo; nas pandêmicas sua amplitude é transcontinental, como foi a gripe espanhola que vitimou o presidente Rodrigues Alves, a peste negra que dizimou quase metade da Europa e a recente covid. A crescente interferência humana no meio ambiente, desestabiliza o seu ciclo vital; são alguns exemplos, a monocultura, a ocupação desordenada do solo, o garimpo sem controle e a queimada na floresta. São agressões que causam perda da biodiversidade, levando ao homem e outros animais, agentes de enfermidades como as protozooses e arboviroses. A febre maculosa, veiculada pelo carrapato estrela, embora de baixa letalidade, pode ser fatal, se não houver precocidade no diagnóstico. A hantavirose transmitida pelos ratos, cresce em algumas regiões, e as Leishmaniose, inicialmente silvestre, hoje, um grande problema de saúde pública no mundo, tendo nos conglomerados urbanos, o cão como reservatório. A Dengue fora de controle, transmitida pelo Aedes aegypti, faz parte do nosso cotidiano. A doença de Chagas, disseminada pelo inseto barbeiro, açaí e caldo de cana, acomete quase cinco milhões de pessoas no Brasil; a crescente urbanização chagásica é decorrente da migração rural, forçada pela exclusão socioeconômica. A pior epidemia que grassa no Brasil não possui caráter infeccioso, nem tampouco parasitário, tem como etiologia a fome, a concentração de renda, a gatunagem explícita e a corrupção crônica. O controle dos males microbiológicos é possível com a educação em saúde e ambiental, fomentada pela participação consciente da população, aliada a estratégia científica transparente do poder público. Mas, a plenitude da saúde pública só será possível através de um padrão saudável de vida, com as necessidades humanas e fundamentais saciadas. • Médico Veterinário UFRRJ, Jornalista ABJ, Gerente de Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS.

A dor de quem cuida

A dor de quem cuida Ronaldo Rocha A fadiga por compaixão libera muita energia em forma de indulgência, sem a contrapartida da recompensa e da realização pessoal. Na prática veterinária ficamos próximos aos nossos pacientes, desde a neonatologia, a geriatria, até a sua morte, o que pode levar a um adoecimento emocional crônico pela fadiga da compaixão, condição bastante preocupante e ainda não tão conhecida. A lida com a doença e sofrimento sobrecarrega o emocional levando à depressão, exaustão, despersonalização e outras mazelas da alma. A veterinária detém a maior taxa de suicídios no mundo, sendo quatro vezes superior a da população em geral e o dobro quando comparada a outros profissionais de saúde. No Reino Unido seus alunos têm acompanhamento psicológico por algum tempo durante a vida acadêmica. O veterinário se envolve emocionalmente tanto com o sofrimento do animal quanto com a aflição e ansiedade do seu tutor. A “Síndrome de Burnout” ou da desrealização profissional é uma condição de intenso depauperamento mental e físico, decorrente das pressões oriundas do ambiente de trabalho. Esses profissionais vivem direta e intensamente o cotidiano com sofrimento, stress e cobranças. A baixa remuneração, a demanda contínua pela perfeição e a competição contribui para a sobrecarga emocional e seus agravos. Burnout é consequência de um esgotamento extremo. É comum entre enfermeiros, médicos agentes de saúde, assistentes sociais, policiais, professores e até entre padres e pastores.

O velho Macacu

O Velho Macacu Dr Ronaldo Rocha De todos os rios a desaguar na Baía de Guanabara, sou o maior em volume e absoluto em extensão. Na sombra do Pico da Caledônia, se unem o Apolinário e o Jacutinga pra me dar vida e turbulento desço a serra de Cachoeiras até Macacu . Após setenta e quatro quilômetros entre musgos, pedras e areias, desemboco no lodocento manguezal do meu estuário. Passei por tempos febris. O tifo amarílico e a terçã maligna assolaram o meu Vale, quando os moribundos eram levados para uma "boa morte" em São José. Com a epidemia da febre paludosa até Santana de Japuiba passou mal, perdendo para Cachoeiras o status de capital. No remanso do meu curso, grandes canoas eu vi navegar, às vezes, velejadas e outras, por varas empurradas. Tempos depois a buzina da rodovia calou o apito do trem. Com a chegada da bitola métrica, as velas não mais velejaram, e os vareiros, as canoas não varejaram mais. Entre embaúbas prateadas e arroxeadas quaresmeiras, corro para a minha foz, indo suprir com sedimentos o meu delta e matar a sede de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Paquetá e da minha cidade. Carrego na minha jornada, entre outros afluentes: o Batatal, o Souza, o Bengala, o São Joaquim, o Boa Vista, o Ganguri e o principal, Guapiaçu. Amanhã é o Dia do Ferroviário. Parabéns aos carpinteiros, torneiros, caldeireiros, ajustadores, ferreiros, maquinistas, foguistas e guarda-freios que entre limalhas, serragem, apitos e fumaças vivenciaram a "belle époque" do Macacu. Médico veterinário UFRRJ, Jornalista ABJ, Gerente de Zoonoses SNABS-MS.

Leishmaniose, o vetor

Leishmaniose, O vetor Dr. Ronaldo Rocha (Jornal Cachoeiras 13.05.2023) É uma enfermidade potencialmente fatal, comum a homens e animais. Se encontra em franca reemergência nas áreas populosas, resultante da migração rural com seus animais infectados, desarranjo urbanístico e frequente agressão ao meio ambiente. A "Leishmania", protozoário responsável pela doença, chega até nós através do “mosquito palha”. Diminuto inseto de asas peludas, que quase não voa, saltita no solo. A fêmea, depois de sorver o sangue do animal, regurgita o aspirado no homem, através da picada. O corcundo “cangalha" ou "orelha de veado", como também é chamado o mosquito; aprecia o sangue humano, canino, felino, equino e de outros vertebrados silvestres. De vida noturna procura o repasto sanguíneo no crepúsculo, onde são mais ativos. Nas cidades, o cão é o principal reservatório de "calazar" - a perigosa forma visceral da doença. A leishmaniose tegumentar ataca a pele, originando feridas rebeldes à cicatrização e deformidades nas cartilagens. É conhecida como “ferida brava”, “úlcera de Bauru” e "botão do Oriente". O crescente aumento de casos da leishmaniose visceral em algumas regiões, traz o holocausto canino à discussão, causando descontentamento e apreensão nos cinófilos. - (Continua na próxima edição) Médico Veterinário UFRRJ / Gerente de Zoonoses SNABS-MS
Leishmaniose - Prevenção *Dr. Ronaldo Rocha Diferente do Aedes aegypti, o “mosquito palha” não nasce na água parada. O "birigui", como também é conhecido, tem seu criadouro na decomposição orgânica no solo úmido, o que torna inviável o combate focal. As ações de contenção dessa parasitose são direcionadas à prevenção, salvaguardando a saúde humana e animal. A leishmaniose, é uma zoonose reemergente sem cura etiológica; com o tratamento medicamentoso, se obtém melhora clínica e redução da carga parasitária no organismo animal, impossibilitando a sua transmissão ao homem. Os que defendem o extermínio compulsório de cães soropositivos, alegam que as recaídas, após tratamento, não são incomuns; e que a grande inacessibilidade ao oneroso procedimento - hoje em torno de um salário mínimo - deixa vulnerável a saúde pública. A crudelíssima e inumana eutanásia de cães com "calazar", não mostrou eficácia até então. Os animais não são vilões, são também vítimas. As medidas de prevenção, são as mesmas adotadas no combate a dengue: Manter o domicílio e área circunvizinha saneados, investir na consciência sanitária e promover a educação em saúde ambiental. O uso de repelente e coleira anti-mosquito protegem o animal da picada do vetor "flebotomíneo". No futuro, a vacinação pública dos animais vulneráveis - que são depósitos da "Leishmania" no meio urbano - protegerá os homens e seus animais. *Médico veterinário UFRRJ e Jornalista ABJ.