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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012
"Piratas" hei de ser até morrer
Saindo de um navio pirata que encalhou na boca da avenida, corsários invadem a Floriano Peixoto, e com um único tiro de canhão colore de confete e serpentina a multidão, arrastada por afinados músicos de sopro e percussão.
Fausto Costa, Elesbão, Edésio, Zeca, Vanderlei Navega, Veiter, Baltair e Lili Moreira conduzia na cadência do samba a galera que cantava com todo seu íntimo o amor de Luciano pelo bloco:
“Enquanto existir você Piratas, eu hei de ser até morrer. Você é quem me dá alegrias Piratas, você é quem me dá prazer. Deixa falar que eu ligo não, quero abrilhantar o meu cordão. Quando vejo as cores preto, encarnado e branco, sinto alegria no meu coração...”.
Porta estandartes e bandeiras vestiam com galhardia o manto rubro negro ornado com finas lantejoulas, paetês, vidrilhos e rendas francesas. Zeir, Marli Sarzedas, Maria Joaquina, Chichica, Selma, Janete Neto, Nanci Ade e Lurdinha envolviam turistas e foliões numa reluzente áurea de graça e magia.
Acompanhados por uma nuvem de mariposas fototrópicas que rodopiavam sobre as reluzentes bengalas incandescentes, os balizas preservavam sua companheira e o estandarte por ela carregado. Samuel Donegati, Almir Lagoas, Betinho e Geraldo Coutinho encantavam os foliões com um bailar parecido com as aristocráticas danças de salão, cortejando com seus leques coloridos o fascínio das suas portas estandartes.
Também originário dos “Filhos da Lyra” da lendária porta Zilda do Vale, o Piratas nasceu na casa de Osório Souza em março de 1947. Há quem diga que o nome do bloco surgiu do “Pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mau”, sucesso de Braguinha cantado por Nuno Roland no carnaval daquele ano.
A “galera” com garotas na guarnição se concentrava no Poço Verde antes de tomar de assalto a avenida. Até a construção de sua sede, onde Erasmo Carlos chapado de aguardente “Centenária” só conseguiu cantar duas músicas, a Escola Ferroviária 28 de Fevereiro foi palco de animados bailes, festas de formaturas e concursos de beleza.
Noel Rosa, Emilinha Borba, Chiquinha Gonzaga, Ary Barroso, Lamartine Babo, André Filho e tantos outros compunham o que o Rio de Janeiro e Brasil cantavam sob a inebriante névoa dos lança perfumes. O regime de exceção instalado em 64 incomodado com a malícia das suas letras calou suas vozes e as saudosas e lentas marchinhas pararam de vez.
No centro de Cachoeiras o duelo era inevitável, Perna Fina remoinhando sua capa azul e Samuel volvendo seu manto vermelho riscavam com seus leques aquelas perfumadas noites, entrelaçando num compasso singelo, a querela e a paixão, pra delírio da multidão. Segundo a lenda, Cupido criou o leque ao arrancar uma asa de Zéfiro, deus do vento, para refrescar sua amada Psique enquanto dormia.
Até o romano Baco ou grego Dionísio reinar, na oficina da Leopoldina Luciano Santos e Enedir Gonçalves, já brincavam com provocações, e numa dessas Calixto profetizou:
“Quem é você pra desacatar meu improviso, quem é você pra me dar aviso. Quem é você pra cantar perto de mim. Você diz que tem anel, você diz que é bacharel, mas você representa um falso papel. Você só dá palpite infeliz. Oh! Meu amigo, você não sabe o que diz”.
Embora a cordialidade e a alegria regessem alguns contra tempos atravessavam a avenida. A veterinária ainda “caminhava” naqueles tempos, e nada pode fazer pelo Cavalheiro morcego com fratura exposta na asa esquerda, depois de um “arriar cordas” com o flibusteiro Dino Cascudo.
Sentado a bombordo da embarcação um macambúzio pirata chora aos cântaros uma paixão. A filha de um comerciante, vestida de azul e branco, não lhe dava bola por ser vermelho preto.
Gelson Fontes que ergueu a sede própria, Luciano dos Santos, Doca Monteiro, Dalmo Coelho, Fernando Sapateiro, Jason Peixoto, Ivan e Batista Brandão, Derli Pinto, Deco, Zizinho Monteiro, Érico, João Fagulha, Élson Bodega, Enéas, Banana Ouro, Caíco, Paulinho Ferraz, Carlos Valadares, Pinduca, Cleir, Rosinha Califfa e muitos outros amaram o Piratas incondicionalmente.
Responsáveis pelo esplendor do bloco - Ozorina, Marilena, Zelina Ferraz, Luiza, Maria Emília, Odilon Cerqueira, Celeste, Jacy e Luiza Reis, Esther, Ordália, Natalina, Sucena Ade, Leontina, Eurídice Neto entre outras costureiras e bordadeiras voluntárias - guarneciam os veludos, sedas e cetins que deslumbrariam nas noites de carnaval olhos curiosos de caçadores, cavalheiros e animados foliões.
A bordo do navio agradeço a Nanci Ade, Marilena Pinheiro, Paulinho Ferraz, Tãozinho, Marilene Donegati, Belclair e Odilon Jones pela gostosa viagem àqueles tempos em que o lendário Calixto atracou pela última vez no paraíso das águas cristalinas.
(Jornal Cachoeiras 25 02 2012)
sábado, 11 de fevereiro de 2012
Amor, brilho e paixão - "Cavalheiros do Luar"
O frenesi tomava conta do então Paraíso das Águas Cristalinas quando as aguardadas fantasias em azul, branco e vermelho entravam na folia, protegidas por morcegos que afastavam do caminho, índios, mascarados, colombinas, arlequins, pierrôs, lobisomens, vampiros e foliões. Os arrepiantes quirópteros, desfilando na frente do cordão de isolamento, agitavam sem parar os dactilopatágios de suas asas, para que o luxo e a beleza das fantasias, que inebriavam de luz as ruas da cidade, desfilasse.
Bengalas incandescentes aceravam o brilho e o glamour das portas estandarte e bandeira, dos destaques infantis e das fileiras de damas e cavalheiros, revelando após meses de tensão o encantamento contido em seus corações.
A exuberância e o fulgor de Lidinha, Maria José, Reni, Ivete, Eli Suppo e Nêga eram conduzidos com leveza pelo leque do “baliza”, que estadeava uma capa aveludada em plissé, presa no dedo por uma argola. Perna Fina, Vital Neblina, Ezequiel e Esirlei ditavam na cadência afinada dos músicos o compasso da porta estandarte, que trajava uma fantasia inédita que vestiria a porta bandeira do ano seguinte. No auge da folia, anáguas guardadas a sete lantejoulas, mostravam de relance, discretos bordados, para desatino de cavalheiros e simpatizantes e inveja das concorrentes.
O clube nasceu de encontros, chás, livros de ouro e mutirões e, é lógico, dum esquenta bateria do comércio local. Lanches coletivos e refrescos de groselha embalavam o ritmo da alta costura. Célia, Ivete, Mercedes, Glória e muitas outras bordadeiras mantinham bem longe de Piratas e Caçadores os seus segredos de linhas e pedrarias.
Muitos matrimônios felizes e outros nem tanto, nasceram de provas de amor proferidas nas perfumadas noites azul e branca. Houve tempos em que moças e rapazes que se “engraçavam” pelas cores rivais, perdiam o rebolado no bloco, quando não sofriam repreenda familiar pela ousadia. Mesmo parentes, se de blocos diferentes, não podiam se encontrar nos meses que antecediam a grande festa.
Ser uma musa daqueles carnavais não era pra qualquer uma, era necessário dote, requebros e um generoso padrinho, suas fantasias eram adornadas com material trazidos da Europa.
Bons tempos aqueles em que águas cristalinas refrescavam o carnaval e a ardente “centenária” mexia com a cabeleira do Zezé, que meio chapado não parava de cantar: “me dá um dinheiro ai” ou “você pensa que cachaça é água”.
Em todo lugar, “as águas vão rolar”, não saía da boca do povo. E rolaram. Pouco tempo depois, o golpe de 64 matou o sonho e calou a voz do cavalheiro Enedir Gonçalves que compôs “Cachoeiras meu torrão” em 1947 - ... Vem ver de perto a lua, e quem passa pela rua, vê o traço de união, salve Cavalheiros e Piratas que são filhos do mesmo torrão.
Quando as cordas de isolamento se roçavam, as afrontas eram inevitáveis, mas prevalecia a cordialidade e o bom senso. Em casuais encontros, o cordão era arriado em reverência ao “irmão” que passava, e a emoção tomava conta do pedaço quando trocavam de baliza que por alguns instantes regia a porta estandarte adversária, num singelo gesto cavalheiresco.
Agnaldo, Uriel, Ariosaldo, Orácio, Ilma, Alcides, Chichica, Nicomedes, Luiz Fren, Adelino, Ademar e tantos outros foram Cavalheiros do Luar com intensidade e paixão. O bloco venerava seus ilustres integrantes, sambando até as suas residências, numa reverência toda especial.
Cachoeiras de Macacu tinha o melhor carnaval do antigo Estado do Rio. A pensão da Dona Niza em Boca do Mato lotava de turistas, principalmente homens, levando as curiosas beldades cachoeirenses a um discreto passeio naquele balneário.
Com a morte da ferrovia, a cidade perdeu o encanto e o carnaval não mais viu os Caçadores, Cavalheiros e Piratas. O esporte ficou sem o São José, Independente, Ipê e Onze Unidos e a cultura submergiu com a falta do SENAI, Liceu, Cine Virgínia e Brasil. Na próxima edição do Jornal Cachoeiras um navio pirata ancora em Macacu, tomada de assalto pelo preto, vermelho e branco.
Agradeço com alegria a Adelino de Jesus, Nilcinea, Esirlei Silva, Manoel Melchior, Alaíde, Dulcineia, Marcos Souza e Rui Coelho pela paciência que tiveram, mexendo o fundo do baú e trazendo para a atualidade um tempo que com o tempo se vai.
(Jornal Cachoeiras 11 02 2012)
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Flechas e canhões no embalo dos Caçadores
O safári teve início quando, do Bloco do Boi, surgiu os Caçadores. Algum tempo depois Chico Pinto praticamente doara o terreno onde foi edificada a sede, ele sonhava com os Caçadores disputando com Pitaras e Cavalheiros a hegemonia daqueles carnavais. O povo ergueu-o em tempo recorde com campanhas e mutirões, como do cimento, do alicerce, da feijoada e do angu à baiana, ajudando Waldemiro Goulart e sua equipe, que de tijolo em tijolo realizava aquele sonho.
O bloco cresceu tanto que não suportou o peso do seu estandarte, sucumbiu com o tempo, como aconteceu com os coirmãos. Das vezes que botava o bloco na rua, a cidade viajava dentre as matas, travestida de silvícolas, caçadores e animais selvagens para encantamento de moradores e turistas.
O Campo do Prado era só contentamento, o arrastão ia até o final da Av. Roberto Silveira e voltava empolgado em direção ao Centro, carregando seu pavilhão na cadência dos seus músicos. Na Av. Floriano Peixoto o povo já saçaricava com lata d’água na cabeça e cantava daqui não saio daqui ninguém me tira, pro general da banda que passava.
A cordialidade e a simplicidade eram a marca dos “Caçadores”, narrada na marchinha de Nelson Fonseca em homenagem ao azul e branco e ao vermelho e preto: Confetes rolando no chão, serpentinas subindo com o esplendor, aceitem Cavalheiros e Piratas a saudação de um Caçador...
As cores das fantasias, com base verde e amarela, brincavam de acordo com o enredo e “Caroço” musicava com maestria os arranjos que dançaricava o bloco ladeira abaixo. Flechas, arcos, tacapes, facas e espingardas, tomavam conta da cidade e bonitas indumentárias mostravam de forma harmônica a natureza, seus encantos e sua magia.
O clima esquentava quando no fastígio da empolgação os caçadores apontavam o canhão, e num certeiro tiro, envolvia de coloridos confetes, concorrentes e multidão. Enquanto isso entre índios e caçadores, Euzébio Cunha, vestindo um dantesco gorila, botava pequenos foliões pra correr.
O primeiro carnaval do clube foi na Fundação Anchieta, depois no Sindicato da Leopoldina e os outros na sede própria, palco de memoráveis bailes e saudosas apresentações de famosos do rádio.
A belíssima Selma Cupti, eleita a “Rainha das girls” no Teatro de Revistas do Carlos Gomes na Praça Tiradentes, foi reverenciada pelos Caçadores numa noite apoteótica, em uma das pouquíssimas homenagens que sua cidade lhe prestou.
Clóvis Bornay e Wilza Carla também subiram as escadas daquele salão, exibindo luxuosas fantasias no tempo do presidente Armando Veloso. Local onde “Cinzas de amor”, interpretada por Nelson Gonçalves, já vaticinava a proximidade do fim daqueles bons carnavais.
Suas matinês eram concorridíssimas. Embebedados com pipoca e guaraná, curumins, colombinas, palhaços, pierrôs e piratas mirins, soltavam sua singeleza no salão, embelezando as inocentes tardes de carnaval.
A sede própria poliesportiva com piscina semiolímpica, ficou só na imaginação. Figuras de destaque como as portas estandarte Nira e Selmi e o baliza Gaspar, encantavam a platéia na evolução do bloco, dando um brilho particular aquela festa pagã que acabava em penitencia, na dor da quarta - feira de cinzas.
As fantasias eram confeccionadas por Almerina, Neuza e outras imbuídas por um amor incondicional ao Clube dos Caçadores e com precisão ornavam coloridos veludos e cetins com lantejoulas, miçangas e paetês.
Fernando Veiga, Deco, Darino, Zeca Botina, Nelson Dedeia, Hugo Garcia, Gatinho, Bira, Babá, Vadinho, Ermelino, Seda, Ademarina e tantos outros são singelas personagens de um tempo rico em história e tradição. Dos Caçadores quase nada restou. Perdeu sua coroa, ficou sem estandarte e acabou sua fantasia, só restaram poucas lembranças que o tempo teima em levar.
Na próxima edição do Jornal Cachoeiras a Lua será testemunha daquelas apaixonadas noites dos Cavalheiros do Luar.
Agradeço com o estandarte na mão a Nelson Fonseca, Nilsete, Derli e Neide. Sem eles este enredo não teria evoluído.
(Jornal Cachoeiras 04 02 2012)
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