sábado, 11 de fevereiro de 2012

Amor, brilho e paixão - "Cavalheiros do Luar"

O frenesi tomava conta do então Paraíso das Águas Cristalinas quando as aguardadas fantasias em azul, branco e vermelho entravam na folia, protegidas por morcegos que afastavam do caminho, índios, mascarados, colombinas, arlequins, pierrôs, lobisomens, vampiros e foliões. Os arrepiantes quirópteros, desfilando na frente do cordão de isolamento, agitavam sem parar os dactilopatágios de suas asas, para que o luxo e a beleza das fantasias, que inebriavam de luz as ruas da cidade, desfilasse. Bengalas incandescentes aceravam o brilho e o glamour das portas estandarte e bandeira, dos destaques infantis e das fileiras de damas e cavalheiros, revelando após meses de tensão o encantamento contido em seus corações. A exuberância e o fulgor de Lidinha, Maria José, Reni, Ivete, Eli Suppo e Nêga eram conduzidos com leveza pelo leque do “baliza”, que estadeava uma capa aveludada em plissé, presa no dedo por uma argola. Perna Fina, Vital Neblina, Ezequiel e Esirlei ditavam na cadência afinada dos músicos o compasso da porta estandarte, que trajava uma fantasia inédita que vestiria a porta bandeira do ano seguinte. No auge da folia, anáguas guardadas a sete lantejoulas, mostravam de relance, discretos bordados, para desatino de cavalheiros e simpatizantes e inveja das concorrentes. O clube nasceu de encontros, chás, livros de ouro e mutirões e, é lógico, dum esquenta bateria do comércio local. Lanches coletivos e refrescos de groselha embalavam o ritmo da alta costura. Célia, Ivete, Mercedes, Glória e muitas outras bordadeiras mantinham bem longe de Piratas e Caçadores os seus segredos de linhas e pedrarias. Muitos matrimônios felizes e outros nem tanto, nasceram de provas de amor proferidas nas perfumadas noites azul e branca. Houve tempos em que moças e rapazes que se “engraçavam” pelas cores rivais, perdiam o rebolado no bloco, quando não sofriam repreenda familiar pela ousadia. Mesmo parentes, se de blocos diferentes, não podiam se encontrar nos meses que antecediam a grande festa. Ser uma musa daqueles carnavais não era pra qualquer uma, era necessário dote, requebros e um generoso padrinho, suas fantasias eram adornadas com material trazidos da Europa. Bons tempos aqueles em que águas cristalinas refrescavam o carnaval e a ardente “centenária” mexia com a cabeleira do Zezé, que meio chapado não parava de cantar: “me dá um dinheiro ai” ou “você pensa que cachaça é água”. Em todo lugar, “as águas vão rolar”, não saía da boca do povo. E rolaram. Pouco tempo depois, o golpe de 64 matou o sonho e calou a voz do cavalheiro Enedir Gonçalves que compôs “Cachoeiras meu torrão” em 1947 - ... Vem ver de perto a lua, e quem passa pela rua, vê o traço de união, salve Cavalheiros e Piratas que são filhos do mesmo torrão. Quando as cordas de isolamento se roçavam, as afrontas eram inevitáveis, mas prevalecia a cordialidade e o bom senso. Em casuais encontros, o cordão era arriado em reverência ao “irmão” que passava, e a emoção tomava conta do pedaço quando trocavam de baliza que por alguns instantes regia a porta estandarte adversária, num singelo gesto cavalheiresco. Agnaldo, Uriel, Ariosaldo, Orácio, Ilma, Alcides, Chichica, Nicomedes, Luiz Fren, Adelino, Ademar e tantos outros foram Cavalheiros do Luar com intensidade e paixão. O bloco venerava seus ilustres integrantes, sambando até as suas residências, numa reverência toda especial. Cachoeiras de Macacu tinha o melhor carnaval do antigo Estado do Rio. A pensão da Dona Niza em Boca do Mato lotava de turistas, principalmente homens, levando as curiosas beldades cachoeirenses a um discreto passeio naquele balneário. Com a morte da ferrovia, a cidade perdeu o encanto e o carnaval não mais viu os Caçadores, Cavalheiros e Piratas. O esporte ficou sem o São José, Independente, Ipê e Onze Unidos e a cultura submergiu com a falta do SENAI, Liceu, Cine Virgínia e Brasil. Na próxima edição do Jornal Cachoeiras um navio pirata ancora em Macacu, tomada de assalto pelo preto, vermelho e branco. Agradeço com alegria a Adelino de Jesus, Nilcinea, Esirlei Silva, Manoel Melchior, Alaíde, Dulcineia, Marcos Souza e Rui Coelho pela paciência que tiveram, mexendo o fundo do baú e trazendo para a atualidade um tempo que com o tempo se vai. (Jornal Cachoeiras 11 02 2012)

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