segunda-feira, 1 de setembro de 2025
O amargo beijo de Bejeca
É agosto... acho.
O calendário… escorregou para dentro do copo.
E eu… não consegui mais ler.
Dizem ser nesse mês o Dia Internacional da Cerveja.
Ou… da Bejeca.
Vai saber.
O tempo… ah, o tempo…
esse velho bêbado…
cambaleia entre goles,
sob a luz âmbar do bar,
onde vozes borbulham em cada mesa.
E eu?
Brindo com a deusa Ninkasi.
Sim… ela existe.
Sedutora. Densa. Enganadora.
Já a vi dançando sobre a espuma…
cabelos de lúpulo,
olhos dourados como cevada amarga.
Ela não anda.
Não baila.
Não fala…
apenas sopra espumas nas palavras. Faz o sonho parecer verdade.
E a gente acredita.
A primeira vez que senti seu frescor
foi numa garrafa esquecida —
chocada pelo gás que evaporou.
Da união incestuosa de Enki, deus d’água,
com Ninti, deusa do lago,
nasceu Ninkasi —
meio espuma, meio sombra —
soprando promessas que o Humulus lupulus amarga.
Talvez por isso a cerveja carregue essa ambiguidade:
É santa… e profana.
Cura… e envenena.
colo… e precipício.
Na Suméria, hoje Iraque,
enquanto calculavam eclipses,
os sábios caíam de joelhos diante dela.
Não para rezar,
mas para esquecer.
Entre paredes de barro e barris,
a cevada fervia.
E Ninkasi recolhia, gole a gole,
os segredos de quem bebia.
Hoje…
ela veste um colarinho de espuma — a assinatura do lúpulo,
amargo o suficiente pra lembrar
que alegria demais é perigosa.
Prefere mesas de bar,
luz vermelha a piscar,
onde as confissões vêm fáceis
e a vergonha se dissolve num piscar.
Fruto de um amor proibido, nasceu meio sombra, meio espuma.
Ninkasi brinda com os que escondem lágrimas:
os poetas bêbados,
os vagabundos lúcidos,
os santos caídos,
e as damas da estrada.
Na Baviera…
reina em tronos de madeira e canecas de litro.
No Brasil…
tropeça nas calçadas
e assassina nas estradas.
Por aqui, o álcool mata mais que as guerras
e dirige… mais que os motoristas.
Eu mesmo…
voltando de Canudos — Bahia —
fui colhido na BR
pelo hálito etílico de um inconsequente.
E entendi:
Ninkasi não é deusa.
É esfinge.
Não concede respostas.
Rouba perguntas.
Mas quem sou eu pra julgá-la?
Não sou padre. Nem pastor.
Sequer juiz.
Sou veterinário. Andarilho.
Sou copo:
ora vazio de ilusão,
ora transbordante de paixão.
E mesmo sabendo dos perigos…
eu brindo.
Porque a vida, meu amigo,
também é ambígua.
Talvez, no fundo,
o que a deusa nos oferece
não seja a bebida,
mas a vertigem controlada —
no vago êxtase da madrugada —
quando tudo o que nos resta
é um gole. Um gole… e um sonho.
Então… levante o copo.
Mesmo que seja o último.
Que Ninkasi… nos beba.
Eu?
Só bebi um pouquinho.
Hic!… Urgh! Mais um gole… e pronto.
Arroto… e viro poeta.
Mas amanhã… nem lembro da rima.
E nem quem foi ela. Hic!
Médico veterinário e Jornalista
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