domingo, 31 de agosto de 2025
A dor que ninguém quer ver
A dor que ninguém quer ver
É tão fácil fingir que não vemos.
Fechar os olhos como quem apaga a própria consciência.
O pior dos cegos é aquele que escolhe a sombra.
Eu mesmo já fiz isso.
Na mesa farta, o cheiro encobre segredos.
O frango que virou galeto, o ganso forçado a engolir além do corpo, o boi, o carneiro, o porco — existências inteiras servidas como prato.
O paladar festeja, mas o coração mastiga também a angústia de cada vida interrompida.
E a dor não para aí.
Há ratos, coelhos, gatos trancados em jaulas invisíveis — cobaias da vaidade que insiste em engarrafar juventude.
Nas florestas, onças desaparecem como brasas que se apagam.
Do céu, arrancam pássaros para a clausura de grades.
E dentro de casas silenciosas, onde deveria haver cuidado, animais tremem diante de mãos que ferem.
A crueldade não é acidente: é hábito.
É máquina.
Engrenagem que transforma lágrima em lucro.
E nós seguimos, distraídos, como se fosse natural.
O que dói é lembrar que só nós carregamos este peso chamado moralidade.
Nenhum animal inventa pecados.
Nenhum maquina maldade.
Eles apenas vivem.
Somos nós que escolhemos ferir.
Schopenhauer sussurra: “a compaixão universal é a única garantia de moralidade.”
E eu acredito.
Mas acreditar é também sangrar — porque abrir os olhos é deixar-se atravessar.
É aceitar que cada vida importa, mesmo quando não nos pertence.
Ignorar a dor do outro — seja homem ou animal —
é recusar, em nós, a própria humanidade.
E talvez tudo comece no instante em que um olhar decide não desviar.
Quando o silêncio se rompe, ainda que em sussurro.
Porque às vezes basta um só gesto de compaixão
para que o mundo, por um breve momento, se reescreva.
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