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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
O samba pede passagem com Mulinha, Garrucha e DKW
Depois do alvorecer um longo apito ecoava pelos quatro cantos da cidade, acordando os operários para mais um dia de trabalho. Torneiros, ajustadores, caldeireiros, ferreiros, marceneiros e tantos outros corriam apressados pra oficina da Leopoldina – era deles a responsabilidade de manter os trens no ritmo.
Entre apitos e fumaças, partidas e chegadas, o carnaval da cidade desfilava com a ferrovia. De fevereiro a fevereiro, mãos habilidosas em paetês, miçangas, vidrilhos e lantejoulas, teciam ricas fantasias em azul e branco, verde e rosa, e vermelho e preto, mantidas a sete chaves até a hora do desfile. Com a chegada dos trens os galanteadores da época corriam para a estação, na expectativa de um belo rosto feminino vindo de algum lugar.
Cavalheiros do Luar, Piratas e Caçadores desfilavam entre confetes e serpentinas, embalados na fragrância dos lança perfumes franceses da Rhodia. Não eram incomuns confrontos nada amistosos quando suas cordas de isolamento se roçavam na avenida.
Originalidade não faltava na festa. Figuras excêntricas tiravam no afã da folia as máscaras do cotidiano, estereotipando personagens na cadência daquele ritual pagão. A irreverência adornava a passarela com Patola, sua mulinha e seu boi, deixando em pânico a criançada.
Pequenos blocos como o dos “Bichos”, “Estamos aí” e “Tamica” entre outros, prenunciavam o espetáculo de cores e beleza que envolveria a cidade.
Binárias marchinhas como Bandeira Branca, Touradas em Madri e Chiquita Bacana falavam com ironia do cotidiano, de forma humorada da sexualidade e de fatos importantes da atualidade, embalando os passageiros de primeira e segunda classe nos enredos da folia.
Até o velho Macacu caía na brincadeira desnudando corpos suados em papel crepom, que coloriam no apogeu do “banho a fantasia” suas águas cristalinas; acalorados por uma afinada bandinha tocando em cima da velha ponte.
Nosso carnaval também sofreu a ação do tempo, perdeu sua originalidade e se transformou num emaranhado de estranhos ritmos onde o samba atravessado teima em ficar, longe dos olhos da colombina, das lágrimas do arlequim e da máscara do pierrô.
Perfumado pela “Rodouro”, proibido por Jânio Quadros em 1961, o carnaval antigo transpirava amor, paixão e romantismo. Em plena Rua Floriano Peixoto, Cavalheiros e Piratas se envolviam numa momesca e respeitosa pugna diante dos olhos julgadores da consciência popular, os profissionais da estrada de ferro torciam naturalmente para o vermelho e preto. Em raros momentos de tensão as cordas de isolamento arriavam e algumas diferenças eram acertadas.
A modesta iluminação pública era reforçada pelas bengalas de fogos incandescentes, acentuando a beleza, o brilho e todo o glamour das fantasias que o abandono levou.
O trem se foi, o rio secou, a ponte caiu e o arlequim não mais chorou nos braços da colombina que partiu. Restou a saudade e a lembrança que o tempo, fora de compasso, tenta apagar.
Nas próximas edições do Jornal Cachoeiras o espetáculo continua, mostrando parte da história e particularidades dos tempos em que “a colombina andou de Vemag”, “João Badeia foi chifrado por um boi”, e “a enferrujada garrucha que Alberto Goela vendeu engasgou”.
sábado, 14 de janeiro de 2012
Os vulneráveis filhotes
Após o desmame terão pela frente um grande desafio, até que se tornem adultos. Invisíveis agentes de perigosas enfermidades atentarão para os seus corpos frágeis ainda em formação.
Adquirem nos primeiros dias de vida, através do aleitamento, o restante dos anticorpos maternos. Uma pequena parte já circula em seus organismos, obtidos via placenta na gestação.
Condições como tamanho da ninhada, estado imunológico da mãe e desvantagens competitivas com os irmãos, tem relação direta com o grau de imunidade. Os mais fracos de uma prole numerosa e de uma mãe com dificuldades imunológicas, certamente possuirão títulos menores de imunoglobulinas conferidos pelo colostro, que logo acabarão. Se medidas de proteção, através da vacinação não forem adotadas, microrganismos letais estarão à espreita.
Um programa adequado de vacinação confere-lhes uma barreira protetora, salvaguardando-os desses agentes deletérios. A primeira dose de vacina é insuficiente, aqueles anticorpos adquiridos da mãe quando mamaram, não conseguem distinguir os vírus conferidos pela vacina dos que circulam no meio ambiente, atacando-os. Daí a necessidade dos reforços a intervalos curtos nos primeiros meses de vida.
Quando optamos pela guarda de um animal assumimos um compromisso com a vida e passamos a ser responsáveis pelo seu bem estar. É de bom senso que o respeito seja inviolado, maltratar um animal é atentar contra a natureza e contra a criação Divina.
Mantê-los num espaço controlado não os farão menos felizes. O cão semi-domiciliado, aquele que tem casa, mas dá umas voltas, pode ser portador de doenças adquiridas com outros que encontrem pelo caminho, onde confrontos pelo acasalamento, disputas territoriais e uma mordida aqui e uma lambida ali não são infrequentes. As zoonoses, doenças comuns a homens e animais, podem por eles serem transmitidas.
O canil cárcere e a corrente perpétua, nem pensar. Além de evidenciar uma atitude desumana são relacionadas à depressão, psicoses, automutilação, fobias e agressividade descontrolada.
Abusos sofridos na tenra idade, justamente no período de socialização, marcam sobremaneira sua saúde emocional.
Por não terem os defeitos psicológicos que carregamos, eles não violam o processo da convivência. Não adotam atitudes antinaturais. Amam, confiam e se doam incondicionalmente.
(Jornal Cachoeiras 14 01 2012)
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
O último apito - l
Andar de trem na exuberante serra de Cachoeiras de Macacu era impressionante, umbaúbas prateadas refletiam a luz da lua, quaresmas floridas davam um toque frugal às matizes verdes da paisagem e águas cristalinas corriam a procura do Macacu, sem falar do visual, que só pela ótica dos trilhos era possível vislumbrar.
Mesmo com o tempo encoberto estar sentado na poltrona verde da primeira classe, ou no desconfortável banco de madeira da segunda, não era menos emocionante; sob cerração sentia-se até um “frescor” londrino. Passageiros daquela época ficavam apreensivos com a proximidade da “curva do leão”, perto de Teodoro de Oliveira e não era pra menos, a 107 em condição de “escoteira” deu seu último apito, quando sozinha despencou no abismo, dizem que o maquinista abandonou o posto. Foi resgatada algum tempo depois. A 106 não teve melhor sorte: descontrolada, mergulhou no mesmo lugar. No Valério um vagão, que transportavam cimento caiu e desapareceu, misteriosamente, em suas águas.
Há quem diga que a explosão de uma caldeira na estação de Boca do Mato ressoou como um pavoroso estrondo por entre as montanhas e que duas mulheres foram surpreendidas no meio da ponte do rio Pomba, pelo trem conduzido por Manduca, um maquinista vindo de Registro. Uma se jogou no precipício e a outra teve as mãos decepadas, tentando segurar-se nos trilhos de bitola estreita antes de cair.
Acidentes acontecem até com os transportes mais seguros e não seria diferente com o trem. O pior que se tem notícia no Brasil aconteceu em Aracaju (SE), com 185 mortos na década de 40, por descarrilamento em velocidade excessiva. No mundo, é sem dúvida o de Peralyia, no Sri Lanka em 2004, com 1700 vítimas após um terremoto seguido de tsunami, superando o de Bihar na Índia onde 800 pessoas morreram quando uma composição desceu duma ponte para não atropelar uma vaca. O primeiro sistema a operar na serra cachoeirense - trazido pelos engenheiros ingleses - veio dos Alpes, região fronteiriça entre França e Itália. Era utilizado para transpor o monte Cenis, aquele que Carlos Magno atravessou com seu exército no ano de 773 para invadir a Lombardia. Suas locomotivas empurravam os vagões, por isso não tinham farol. Ouvi dizer que os britânicos sentavam no panorâmico vagão da frente, pitando seus fedorentos cachimbos serra acima. Estas máquinas foram substituídas a partir de 1883 pelas também inglesas “Baldwin” de aderência total, da North British e operavam com uma distinta função relacionada à frenagem, dezenas de toneladas comprimiam o terceiro trilho, evitando assim a patinagem. Nestas máquinas, o trilho guia funcionava também como um freio adicional.
O último apito - ll
As robustas locomotivas adaptadas aos terrenos íngremes e sinuosos levavam seus vagões, de dois em dois, até quase mil metros de altura em Teodoro, onde, novamente, contíguos seguiam viagem, puxados por uma máquina tradicional.
O sistema fell de tração por cremalheira, implantado em 1873 era constituído além dos dois carris tradicionais, de mais um trilho, onde atuavam rodas horizontais dentadas, funcionando como tração auxiliar. Foi posteriormente modificado pela Leopoldina Railway para sapatas de frenagem especial. Nas estações, enquanto os freios da Baldwin de configuração 0-6-0 eram reparados, ambulantes vendiam pastéis, bolinhos de aipim, pinha (biribá) e banana-ouro aos seus ilustres passageiros.
A sórdida e inconsequente política brasileira, a ganância empresarial do setor de transportes e a mão perniciosa do tio Sam, acabaram com o nosso trem. Se o ressuscitarão, só outras gerações saberão. Os que dele fizeram parte, onde estiverem, sentirão sempre emoção ao lembrarem-se do “rápido”, do “jaú”, do “expresso” e do “passeio”, deslizando na bitola métrica rumo à capital. Os ferroviários que partem, levam consigo parte da história da cidade, deixando um vazio em sua memória. Muitos sentem falta da bucólica estação de Cachoeiras de Macacu, da oficina, do armazém, do SENAI e do Liceu. Outros, sonham com a construção de um museu ferroviário e os mais românticos com uma leve e pequena locomotiva “fell”, encantando turistas numa praça da cidade.
Por ironia do destino, hoje dependemos dos ônibus passantes para chegar ao Rio e a Niterói. Se o leito não fosse desativado estaríamos, quem sabe, na expectativa de um VLT (Veículos Leves sob Trilhos) que serão implantados em algumas cidades. Melhor sorte teve o ramal de Cataguases, escolhido por Antônio Erminio de Moraes para transportar bauxita da sua mina em Barão de Camargo (MG) até B. de Angra (RJ), onde hoje repousa a nossa saudosa 103.
Meus agradecimentos a Antônio Peril da Silva Filho, Carlos Donegatti, Dalmo da Silva Bastos, Décio Ade, Ivo, de Boca do Mato, Zaly Alves de Azevedo e meu querido pai Taciano Rocha Filho, por, gentilmente, terem contribuído para a efetivação deste trabalho.
(Dica: “A rota do indivíduo – ferrugem” – Djavan)
(Jornal Cachoeiras 07 01 2012)
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