domingo, 31 de agosto de 2025
A lisérgica erva do gato
A LISÉRGICA ERVA DO GATO
Dr Ronaldo Rocha
Há uma erva que não é apenas erva.
Um talo comum, uma folha discreta, mas que guarda em si um segredo antigo.
Chamam-na catnip, gatária, erva gateira.
Mas esses nomes são apenas véus.
O que nela habita, nenhum nome contém.
Os gatos a conhecem melhor do que nós.
Não a tratam como brinquedo, mas como sacramento.
Quando se aproximam dela, algo se rompe.
Os olhos se estreitam, os corpos estremecem,
e o chão se faz altar.
Eles se entregam a um transe instintivo.
Como xamãs de pelos eretos em êxtase.
Arquejam como se oferecessem a respiração ao invisível.
Nesses instantes, não estão vivos,
nem mortos,
mas suspensos entre ambos.
São arautos de um mundo que só eles alcançam.
Quem observa de perto percebe:
não é brincadeira.
É invocação.
Cada rosnado, uma palavra de uma língua perdida.
E o que eles guardam não é a casa.
Mas aquilo que se curva por trás das paredes:
o sopro dos sonhos,
as vozes dos mortos cansados.
Seus olhos — lâminas de lua estilhaçada —
não devolvem imagens, mas rasgam a consciência de quem os encara.
A quem ousa chegar perto, mostra mais do que deveria ser visto.
Pois ao cheirar a erva, os gatos ouvem vozes.
Primeiro um murmúrio.
Depois, um canto.
E, por fim, um clamor que não cabe neste mundo.
Quando riem, não riem com suas próprias bocas.
É outra boca que sopra dentro deles.
É a bruxa, o espectro, a sombra.
Falseadora do controle divino,
que os usa como mensageiros.
Quando desaparecem, não se vão.
Dissolvem-se.
Como fumaça que paira no fogo apagado.
E sempre retornam.
Mais atentos.
Famintos.
Sempre mais próximos daquilo que respira em nós.
De noite, rondam.
Se deitam ao pé das camas.
Velam os que fingem dormir.
E quem ousa encarar um gato nesses instantes nunca sabe a verdade.
E nós, sem perceber, respiramos seu feitiço.
Até que chega o dia em que acreditamos despertar —
e descobrimos que já não sonhamos por nós mesmos.
É o gato quem sonha dentro de nós.
Perito em Medicina Veterinária e Jornalista.
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