quarta-feira, 4 de junho de 2025

Filhos da fome


Nos confins do tempo algo escapou das entranhas do mundo. Não era besta e nem homem, mas um exército de seres invisíveis — os Parasitas Sombrios.
Não rugem, não voam, não uivam à noite. Eles não  falam, eles entram silenciosos, rastejam para dentro do corpo pela da boca e pelo sangue. Encravam-se na mucosa do intestino, sugando o néctar vital e espalhando suas fezes ali mesmo, no festim do suco digestivo No intestino bebem não só o suco intestinal, mas também o sangue.
Os parasitas externos não se escondem: carrapatos que grudam como cola,  pulgas que se multiplicam como febre, sarnas que deixam a pele do animal em pandarecos. 
Dizem que, quando a infestação é grande, o animal não dorme, não come, fica pálido como um lobisomem.
Mas o mais temido de todos é o Carrapato mãe, uma criatura que geram centenas de filhos que já nascem sedentos por sangue. Um só banquete e a febre se instala. A doença do carrapato é mais que doença: é o espírito quebrado, a alma arrastada, corpo em frangalhos pelas exaustão. 
Mas entre todos há um que reina com crueldade: o grudento carrapato. Reza a lenda que sua picada leva consigo mais que dor — leva a febre, a tristeza e a morte da 
Dizem que, ao beber o sangue, a fêmea grávida carrega consigo a maldição, transmitindo-a a cada ovo que gera. E assim, geração após geração, o ciclo do mal se perpetua.
O homem não está a salvo desses parasitas e seus malditos nomes: leishmaniose, febre maculosa, borreliose, Lyme, doenças que marcham junto com a morte, de forma lenta e impiedosa.
E assim, entre sombras e sangue, a lenda dos parasitas segue viva. Pois onde há vida, dizem, há também aqueles que dela se alimentam.
Ronaldo Rocha - Médico veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ

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