sexta-feira, 19 de maio de 2023

Nossos campos de concentração

Nossos "campos de concentração" Dr Ronaldo Rocha No primórdio do século passado, uma grande seca assolou o Nordeste. Milhares de flagelados, castigados por um sol escaldante, vagaram em direção à alguma cidade ferroviária na esperança de pegar um trem rumo a capital do Ceará, quando foi suspensa a venda de passagens, evitando que chegassem ao seu destino. Por quilômetros a fio, homens, mulheres e crianças, marcharam sobre os cascalhos da inóspita caatinga. Entre xique-xiques, catingueiras e mandacarus, um cordão de sofrimento, a fugir da epidemia da fome e da morte, singrava o sertão sob o canto do acauã e a lamúria do caboré. Foram sete campos de concentração construídos no Ceará, sendo o primeiro o de Alagadiço na capital; tempos depois no interior, outros foram criados: Quixeramobim, Crato, Ipu, Senador Pompeu e Cariús. Os desafortunados que lá chegavam, sempre vigiados, não mais podiam sair. Forçados a um trabalho árduo, construindo estradas e açudes, recebiam em troca café torrado no sangue de boi, um punhado de farinha, um pedaço de rapadura e, vez ou outra, uma bolacha ou um naco de jabá. Eram vestidos com sacos de farinha, seus cabelos eram raspados e viviam submetidos a condições insalubres. O isolamento da indesejada massa de retirantes, foi acirrado pelos governos federal e estadual. Dados oficiais estimam que perto de 80 mil pessoas passaram por esses campos. Embora não fossem propriamente de extermínio (como os campos alemães), tinham o objetivo de isolar os desvalidos, que tentavam fugir daquela terrível estiagem. A multidão socialmente alijada, chegou na cidade no momento em que a elite de intelectuais e empresários cearenses colhiam os frutos do "boom" da exportação de algodão. A morte era rotineira: de enfermidade, sede e fome. Foram tão marginalizados que até seus cadáveres eram sepultados em um cemitério à parte, longe dos demais mortais. Como em Canudos de Antônio Conselheiro, o sofrido sertanejo foi mais uma vez vítima da configuração social de um país preconceituoso, excludente e desigual. Médico Veterinário UFRRJ /Jornalista ABJ / Gerente de Zoonoses e Fauna Sinantrópica SNABS-MS / Perito Judicial CBETA-RJ / Thought Field Therapy INSTITUTO CALANGES-SP

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